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Nem romântico, nem livre: antes de tudo, amor próprio.

Publicado por:
Danieli Christovão Balbi
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Óbvio que amor romântico é uma piada cruel; é uma estratégia de manutenção compulsória da nossa alienação e é eficaz na reprodução de corpos a serviço da divisão sexual do trabalho, para todas as Mulheres.

 

Da mesma forma, porém, o “amor livre” é a versão requentada do que a maioria das minhas companheiras negras vive, agora edulcorada pra abonar a conduta daquele que te reifica, que usa, expropria e oprime, muitas vezes.

 

Há algum tempo, discutindo a questão, a Patrícia Rodrigues levantou: “quantas mães solo você conhece? Quantas são negras? Então, a história da mulher negra, infelizmente, é uma história de expurgo e abandono. Não se pode perder isso de vista quando se vai discutir as expectativas românticas dessa mulher”.

 

Não esqueçamos que as opressões existem em um dado, e por isso as formas de dominação são consubstanciais, fazem parte do mesmo processo que lança esse dado. Quando uma companheira branca, cisgênero e heterossexual identifica as expectativas românticas como um engodo, geralmente ela o faz depois de alguns relacionamentos estáveis, cercada de familiares com histórico de relacionamentos institucionalizados, muito provavelmente crescida em uma família binuclear. Sua luta é contra um modelo de aspirações que não são reais, impostas para perpetuar sua opressão e, em grande parte, organizar uma hierarquização dentre as escolhidas pelo patriarcado e as preteridas por ele.

 

Muito diferente, todavia, da mulher negra, que luta contra uma perspectiva de humanização absolutamente ilusória e, agravante, que não faz parte das estatísticas das suas iguais. Ela precisa abandonar de pronto uma Ilusão que nem mesmo a inclui.

 

Essa mulher cresceu filha de mãe solo e pai ausente ou desconhecido, sua imagem nunca foi a de um sujeito digno de representação. Ela sabe que as únicas migalhas de afeto virão, talvez, se ela se enquadrar bem no papel da mulata carnavalizada.

 

A realidade da mulher negra é o abandono, a exceção é a união; companheirismo é raridade. A amiga branca, em resumo, luta contra uma opressão concreta, que a quer passiva, sexualizada a ponto da expropriação de sua autodeterminação, subalterna na divisão sexual do trabalho. A mulher negra luta para não cair na ilusão de acreditar que pode ter mesmo esse espaço; ela não cabe sequer como objeto dentro das perspectivas do amor romântico, porque nem pra ventre e esposa ela está apta.

 

Ela é hipersexualizada, e eles acreditam que ela tem de agradecê-los por isso, por lhe darem algum qualquer lugar. Não existe amor livre nem romântico para a mulher negra, só amor próprio, que é amor às suas companheiras e à sua história.

 

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*O lugar da fala acolhe a expressão de cada uma. As autoras do blog não interferem nas escolhas das colaboradoras quanto ao uso da linguagem, ao estilo de escrita, à gramática e à sintaxe. A revisão feita é meramente técnica, para correção de eventuais erros de digitação, todo o resto será tratado como opção de estilo da autora.

Sobre a autora

28, Doutoranda em Literatura Comparada pela UFRJ.Professora de Literatura da Seeduc-RJ. Diretora de políticas de promoção de equidades na UNA-LGBT, militante comunista e contra a opressão aos transexuais e travestis.

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